Carnaval: Festa Cristã.

on quarta-feira, 6 de março de 2019
Existe um famoso samba-enredo da G.R.E.S. União da Ilha do Governador chamado "Festa Profana" (1989 reeditado em 2005 pela G.R.E.S. Unidos do Porto da Pedra), que associa o carnaval com antigas festividades, em especial pagãs. Nada nesse mundo tem apenas uma origem, sem estar em birra com esse clássico samba que ainda anima as festas pelo Brasil inteiro e leva muitos a "tomar um porre de felicidade", que tal mostrar um outro lado do carnaval? Eu poderia começar lembrando de Jesus elogiando a fé do centurião "pagão", que seria maior que a da ortodoxia de Israel (Mateus 8:5-13).

É importante lembrarmos que o carnaval, como conhecemos hoje, é marcado pelo calendário litúrgico cristão, o que faz com que cada ano ele caia em uma data diferente, pois ele depende do início da Quaresma (que se iniciou hoje com a quarta-feira de Cinzas). Sendo assim o carnaval marca o fim da quadra da Epifania (quadra festiva em que se comemora a manifestação de Deus, em Cristo, no mundo) e antecede a penitencial Quaresma. Recentemente li um fundamentalista associando o carnaval com os cultos afro-brasileiros, sendo que apesar da presença forte deles nos carnavais (até pelos terreiros e pelas escolas de samba tradicionalmente acolherem os excluídos que Cristo não excluiria, mas as igrejas muitas vezes sim).

É interessante que, liturgicamente, as festividades do carnaval e o seu "porre de felicidade" ocorram durante a Epifania, talvez para nos lembrar da manifestação do Cristo que é chamado de beberrão e comilão, que festeja com seus amigos que são pecadores e prostitutas (Mateus 11:16-19, Lucas 7:31-50, etc).

Famosa citação de Dom Hélder Câmara (foto da internet)
Em 2019 eu desfilei pela G.R.E.S Renascer de Jacarepaguá, e muitos me perguntaram sobre um cristão pular o carnaval e especialmente por eu ter saído em uma escola que falava sobre a festa de Iemanjá na Bahia (Dois de Fevereiro no Rio Vermelho) e a minha ala usava a fantasia do Orixá Oxossi. Primeiro que o desfile das escolas de samba é um grande teatro ao ar livre, portanto ali estão retratados elementos da cultura popular e os que ali desfilam estão como que atuando em um peça, portanto qualquer que fosse a fantasia ou tema encenado era irrelevante para a crença de quem desfila (até por só ser possível se fantasiar ou interpretar o personagem que não se é, um evangélico vestido de padre está fantasiado no carnaval, um ator vestido de padre está atuando, um padre vestido de padre é apenas ele mesmo).
Oxossi - Ala 7 da Renascer de Jacarepaguá (2019)
Outro ponto é que eu tenho uma ótima relação com pessoas de todas as religiões e defendo o diálogo inter-religioso, mesmo quando não é a minha crença, eu respeito e convivo bem com todos e creio que isso é fundamental para a cultura de paz e para a nossa sociedade. Até pelo simples motivo de que, como cristão, não creio que a salvação de alguém dependa de algo que nós façamos ou deixemos de fazer e isso inclui a adesão ou não a uma confissão mais ou menos ortodoxa. Não é denominação e nem a doutrina que salva, antes é a graça de Deus que atua através da fé (que não é algo humano e nem se confunde com a adesão a determinada crença).

Mas, infelizmente, o carnaval de 2019 teve várias cenas de intolerância por parte de grupos fundamentalistas conta a escola de samba de São Paulo, a Gaviões da Fiel. A polêmica começou quando em uma encenação supostamente Jesus seria vencido pelo diabo. Sendo que na realidade o Jesus/Santo Antão ali representado, até sofre nas mãos do diabo, mas não é vencido (o Bem vence o mal no fim da encenação). Se algum cristão tem dúvidas da profunda verdade teológica dessa encenação, então precisa rever a história da Quaresma e da Paixão de Cristo, bem como tudo o que Santo Antão sofreu em seus combates contra o diabo. Os fundamentalistas contaminados pela Teologia da Prosperidade esqueceram da cruz de Cristo e pregam eles sim doutrinas que estão mais próximas do inimigo do que de Cristo como a sã teologia demonstra (I Coríntios 1:22-25).

Parte final da encenação da Gaviões da Fiel. Fonte: Veja
Esquecendo um pouco os fanáticos fundamentalistas, que não merecem nem receber algum espaço neste blog, inclusive tendo alguns espalhado a notícia falsa de que alguém envolvido na coreografia teria morrido por castigo divino (lembrando que o Diabo é o pai da mentira e que ele é que guarda ódio dos outros e tenta se vingar, não Deus), o ano de 2019 teve alguns temas cristãos bem fortes e presentes nos desfiles das escolas de samba, especialmente na G.R.E.S Unidos da Tijuca (7ª colocada no Grupo Especial em 2019) e na G.R.E.S. Estácio de Sá (campeã do Grupo A em 2019):




É bem verdade que a Estácio faz uma menção a Obatalá (Oxalá) que é sincretizado na Umbanda com Jesus, mas além de ser bela essa menção de como Jesus é lembrado em outras religiões (ao seu modo), também é bela essa convivência harmônica entre as diversas crenças que o carnaval proporciona (e que deveria ser comum no cotidiano). Aliás, tal mistura harmoniosa não é nova e já foi feita por Gilberto Gil na música "Oração pela libertação da África do Sul"

Que Deus permita a maior presença cristã no carnaval (e não estou falando do "carnaval gospel"), a maior tolerância e respeito entre as diversas religiões e que os cristãos sejam mais o reflexo do Cristo que andava com excluídos e pecadores, andava nas festas e menos o reflexo dos mal-humorados fariseus. Em nome de Jesus. Amém.