A Teologia da Libertação tomará a Sapucaí em 2020!

on segunda-feira, 28 de outubro de 2019
2020 será um ano de carnavais bem politizados no Rio de Janeiro, tendência que já vinha crescendo nos últimos anos. Vale lembrar que em 2019 tanto a Estação Primeira de Mangueira quanto a Unidos de Vila Isabel homenagearam a mártir da esquerda carioca: Marielle Franco. A Mangueira ainda fez uma revisão histórica, apontando os podres nos grandes heróis nacionais e buscando novos heróis para o nosso povo.

Anteriormente, a Paraíso do Tuiuti saiu do quase anonimato ao retratar o presidente Michel Temer como Vampiro, se tornando uma das queridinhas dos cariocas.

Mas, o samba da Magueira para 2020 me chama a atenção não apenas pela politização, mas também por sua letra profundamente enraizada naquilo que chamamos de Teologia da Libertação ou mesmo Teologia da Missão Integral... A Mangueira já tinha feito um pouco disso em 2003 no Enredo sobre Moisés:
"Quem plantar a paz, vai colher amor
Um grito forte de liberdade
Na estação primeira ecoou!

Um clarão no céu
Iluminou Mangueira
Surge um caminho de luz
Pra mergulhar na história

No Egito, um faraó
Poder e riqueza, cruel tirania
E um povo sonhava na lama
Que o "libertador" ali nasceria

Flutua nas águas do nilo
A esperança guiando o menino
Criado no luxo da corte
Enfrenta o deserto, sagrado destino

É o vento que sopra, poeira!
Segue o homem em busca da fé
Do alto uma voz anuncia
A certeza de um novo dia

Moisés desafia o rei
A ira divina desaba na terra
Libertação! E num gesto encantado
O mar virou passarela
Descrença, ilusão
No ouro, a falsa adoração

A vontade de Deus é a lei da verdade
Foi revelada pra humanidade
Mostra pro mundo, Brasil (meu Brasil)
O caminho da felicidade"

Se no passado Cristo impediu a prostituta de ser apedrejada pelos fundamentalistas fariseus, hoje ele impediria as pedras que os fundamentalistas arremessam na população LGBT. Foto: https://www.carnavalesco.com.br/dedo-na-ferida-mangueira-tera-fantasias-com-tematica-lgbt-e-maria-de-luto-estado-assassino/


Em 2020, porém, a Mangueira será o cristianismo libertador/progressista/inclusivo na passarela. Vou fazer alguns comentários sobre a letra:

"Mangueira
Samba que o samba é uma reza
Se alguém por acaso despreza
Teme a força que ele tem
Mangueira
Vão te inventar mil pecados
Mas eu estou do seu lado
E do lado do samba também"
Reconhecer o Espírito Santo agindo nas manifestações populares, sempre foi pauta do cristianismo progressista. Não raro, músicas populares são usadas em algumas igrejas. Me lembro de ouvir anglicanos cantando "Cálix Bento" ou "A Bandeira do Divino" como hinos litúrgicos. O refrão de "Anunciação" é clássico na quadra do Advento em muitas igrejas. Portanto, o Samba é uma reza sim e nele o clamor do povo sofrido sobe aos céus como a fumaça do incenso.

Vão inventar mil pecados, os fariseus fizeram isso nos tempos de Cristo e os neopuritanos não vão perder a oportunidade de fazer o mesmo. Mas, Cristo está ao nosso lado e ao lado do Samba. Jesus em seus tempos já tinha sido recriminado por andar nas festas com "pecadores e prostitutas", sendo chamado de comilão e beberrão, mas esse é o nosso Deus que tem sua Santa Ceia como uma roda de samba celeste.
Pois veio João Batista, que jejua e não bebe vinho, e vocês dizem: ‘Ele tem demônio’. Veio o Filho do homem, comendo e bebendo, e vocês dizem: ‘Aí está um comilão e beberrão, amigo de publicanos e "pecadores" ’ (Lucas 7:33-34)


"Eu sou da Estação Primeira de Nazaré
Rosto negro, sangue índio, corpo de mulher
Moleque pelintra do Buraco Quente
Meu nome é Jesus da Gente"

Todos nós, lavados e remidos no sangue do Cordeiro Eterno (Cristo) somos parte do Corpo de Cristo. O negro, o índio e a mulher são parte de Cristo, são o Cristo em atuação nesse tempo. Cristo sempre se identificou com os mais vulneráveis, com os oprimidos, com os que sofrem e portanto as maiores vítimas de nossos dias naturalmente são representantes Dele.

"Nasci de peito aberto, de punho cerrado
Meu pai carpinteiro desempregado
Minha mãe é Maria das Dores Brasil
Enxugo o suor de quem desce e sobe ladeira
Me encontro no amor que não encontra fronteira
Procura por mim nas fileiras contra a opressão
E no olhar da porta-bandeira pro seu pavilhão"

Cristo sempre foi revolucionário, Cristo foi crucificado em sua época e seria hoje novamente. Onde já se viu perdoar ladrão na cruz e ainda ousar pedir perdão por quem te fere? Defender prostitutas? Defender os "leprosos" da sociedade e outros marginalizados? Cristo escolheu nascer na manjedoura dos oprimidos e não no palácio de Herodes. Cada demonstração de amor é uma revelação de Cristo ao mundo e sinal da presença do Espírito Santo.

"Eu tô que tô dependurado
Em cordéis e corcovados
Mas será que todo povo entendeu o meu recado?
Porque de novo cravejaram o meu corpo
Os profetas da intolerância
Sem saber que a esperança
Brilha mais que a escuridão"

Não adianta ouvir a Palavra, dizer que acredita em Deus e não colocar em prática os seus ensinamentos.
Assim também a fé, por si só, se não for acompanhada de obras, está morta. Mas alguém dirá: "Você tem fé; eu tenho obras". Mostre-me a sua fé sem obras, e eu lhe mostrarei a minha fé pelas obras. Você crê que existe um só Deus? Muito bem! Até mesmo os demônios crêem — e tremem! (Tiago 2:17-19)

Se afastar da busca e por uma sociedade fraterna e igualitária é se afastar do próprio Deus:
"Então ele dirá aos que estiverem à sua esquerda: ‘Malditos, apartem-se de mim para o fogo eterno, preparado para o diabo e os seus anjos. Pois eu tive fome, e vocês não me deram de comer; tive sede, e nada me deram para beber; fui estrangeiro, e vocês não me acolheram; necessitei de roupas, e vocês não me vestiram; estive enfermo e preso, e vocês não me visitaram’. "Eles também responderão: ‘Senhor, quando te vimos com fome ou com sede ou estrangeiro ou necessitado de roupas ou enfermo ou preso, e não te ajudamos? ’ "Ele responderá: ‘Digo-lhes a verdade: o que vocês deixaram de fazer a alguns destes mais pequeninos, também a mim deixaram de fazê-lo’.
"E estes irão para o castigo eterno, mas os justos para a vida eterna". (Mateus 25:41-46)

Os pregadores da intolerância crucificariam e crucificam novamente o Cristo, aquele Cristo que reconheceu no centurião pagão uma fé que não tinha visto em Israel. Que mandou seus discípulos viverem na partilha. Mas, o Apocalipse anuncia que nossa esperança será vitoriosa e que a escuridão terá fim.

"Favela, pega a visão
Não tem futuro sem partilha
Nem Messias de arma na mão
Favela, pega a visão
Eu faço fé na minha gente
Que é semente do seu chão"

Só a solidariedade, a partilha e a busca da paz é que pode garantir o futuro do povo. Qualquer Messias que se apresente como semeador da violência (seja o trocadilho com o sobrenome do atual presidente ou seja o falso Cristo pregado pelos fundamentalistas) é um ídolo que não deve ser adorado. Devemos sempre voltar ao caminho do único Cristo.

"Do céu deu pra ouvir
O desabafo sincopado da cidade
Quarei tambor, da cruz fiz esplendor
E num domingo verde-e-rosa
Ressurgi pro cordão da liberdade"
Cristo ouve nossos clamores, a cruz símbolo da morte se tornou símbolo da vida, as trevas se tornaram luz e depois de morto Cristo ressuscitou e guia seu povo para a ressurreição e liberdade final!

Em breve, surgirão os fundamentalistas atacando alegorias com referências religiosas, mas busquem entender a referência e verão que nada está ali para ofender as nossas crenças, antes está mostrando como seria nos dias de hoje aquilo que Nosso Senhor nos ensinou. Não se deixem iludir como os fundamentalistas fizeram ao criticar a trans crucificada, sendo que ela representava justamente a identificação de Cristo com os que sofrem.

Maria Negra não foi criação da Mangueira, a imagem de Aparecida já fazia esse denúncia contra o racismo.  Foto: https://www.carnavalesco.com.br/dedo-na-ferida-mangueira-tera-fantasias-com-tematica-lgbt-e-maria-de-luto-estado-assassino/
O tema da Mangueira em 2020 é "A verdade vos fará livres", portanto aprendamos a verdade sobre nossa fé para sermos livres do nefasto fundamentalismo que é anti-bíblico. Já estou apaixonado pelo desfile sem o mesmo nem ter acontecido ainda.

Revdo. Morôni Azevedo de Vasconcellos (Igreja Episcopal Anglicana do Brasil)
Clérigo e apaixonado pelo carnaval.

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